Por: Ana Helena Guimarães 

Normal, adjetivo: 1. conforme a norma, a regra; regular; 2. O que é usual, comum; natural.

A definição do dicionário sugere que “normal” é aquilo que é conforme a regra, o que é natural e o que é comum. Apesar de todas essas definições apontarem para uma mesma palavra, uma análise um pouco mais aprofundada nos mostra que o “normal”, apesar de indicar um padrão, pode, em verdade, sugerir coisas completamente diversas.

Explico. Se dissermos que um parto é normal, o primeiro pensamento é de que se trata de um parto vaginal. Mas se pensarmos na palavra no sentido de “comum”, podemos dizer que a cesárea também é normal, pois é bastante recorrente. Ainda, se pensarmos no que era “normal” em termos de parto em uma determinada época, veremos que esse conceito mudou bastante no decorrer dos anos. Ora, já foi considerada a “regra” o parto dentro de casa, com uma parteira. E hoje, com o avanço do acesso aos hospitais, temos como “regra” o parto assistido por um médico.

Também devemos ter em mente o que é normal para o profissional da saúde e o que é normal para a mulher. Para o médico, determinados procedimentos são corriqueiros, e foram ensinados e repetidos desde os estudos na faculdade. Para os profissionais das maternidades, é absolutamente comum assistir vários e vários partos por dia. E quando se trata de hospitais públicos, a situação pode se tornar verdadeiramente caótica.

Para a mulher não é “comum” dar a luz, afinal, ela passará por isso no máximo algumas vezes em sua vida. Porém, ainda que totalmente inexperiente, o processo do parto lhe é absolutamente normal, no sentido de natural. Afinal seu corpo foi totalmente projetado para esse fim, ainda que essa noção tenha sido mitigada em alguns momentos.

Todavia, como já dito, a noção do que é normal passa por modificações no decorrer da história, e aquilo que antes poderia ser comum, passa e a não ser mais aceito. O que era corriqueiro passa a ser questionado. Os questionamentos levantam debates, e os debates dão voz a quem antes não tinha (inclusive àquelas que passaram por violências, acreditando que o procedimento era “normal”).

Dentre tantos debates e questionamentos, um específico acabou por se reacender no início de maio deste ano. Trata-se do tema da Violência Obstétrica, cuja nomenclatura foi questionada pelo Ministério da Saúde em despacho publicado no início de maio de 2019. O controverso posicionamento foi justificado por pedidos de entidades médicas, que entendem o termo “violência” como algo praticado sempre de forma intencional. No início de junho o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos publicou recomendação para revogação do referido despacho, por representar retrocesso nas políticas públicas em defesa da mulher.

A discussão sobre a violência Obstétrica aumenta sua relevância quando consideramos que uma grande parte da população desconhece seu significado. Pior, por vezes as próprias vítimas não tem consciência daquilo que sofreram, em que pese a permanência dos danos físicos e psicológicos. Isso porque o paciente, de modo geral, encontra-se em situação de vulnerabilidade em relação aos profissionais que o atendem, não dispondo de conhecimentos necessários para questionar as práticas adotadas.

Importante dizer que o termo engloba agressões físicas, verbais e psicológicas, que não são necessariamente praticadas pelo médico, estendendo-se a todos os profissionais envolvidos. Trata-se de um desrespeito aos direitos da mulher, praticado na forma de maus-tratos ou por negligência. Um exemplo recorrente é a negativa do direito a um acompanhante durante o parto, que ocorre em 71% dos casos, segundo dados da pesquisa “Nascer no Brasil” da Fiocruz.

A violência abrange também o alto índice de medicalização e intervenções. Segundo os dados dessa pesquisa, 38% das mulheres receberam ocitocina para induzir o parto, 40% tiveram rompimento forçado da bolsa (contrariando recomendação da OMS). Cesáreas desnecessárias, excessivos exames de toque, Manobra de Kristeller (“empurrar a barriga”) e a polêmica epsiotomia (incisão na região do períneo para aumentar o canal de parto), podem se caracterizar como violência obstétrica.

Ainda, pode ser praticada na forma verbal, através de insultos, comentários depreciativos e sarcásticos. São exemplos: mandar a parturiente calar a boca, dizer que “na hora de fazer gostou”, que está com “frescura” ou dizer que é responsável quando ocorre um aborto natural.Tudo isso pode gerar um grande abalo psicológico na mulher, incluindo rejeição do próprio corpo, temor de relações sexuais, medo de uma nova gestação, podendo ser até mesmo fator para desencadear uma depressão pós-parto.

Em que pese indignação natural decorrente dos relatos da violência, é necessário compreender que o médico obstetra não é um vilão nessa história. A grande maioria dos profissionais age buscando o melhor interesse da paciente. Por isso é importante sempre conversar com o profissional, esclarecer dúvidas e estabelecer um plano de parto, a fim de deixar claras as expectativas e desejos para o momento do parto. Se mesmo assim a mulher se vir em situação de desrespeito a seus direitos, deve exigir do hospital o prontuário médico, anotar as agressões experimentadas e buscar o auxílio de um advogado, para lhe orientar sobre seus direitos e as medidas mais adequadas a serem tomadas.

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